Tuesday, November 18, 2008

Thursday, November 06, 2008

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Guardo com bastante nojo as memórias do meu tempo de estudante de Direito. Nada contra o ofício ou a academia, por favor, é que simplesmente aquele não era meu lugar. Já que tomava a faculdade como algo tão interessante quanto um campeonato de bocha, eu obviamente não me envolvia. Faltava a maioria das aulas e quando ia era para tomar cerveja e bater papo com o pessoal da Administração, Contabilidade e flertar com as meninas da Pedagogia. Minhas notas eram de uma mediocridade tão embaraçosa que sinto-me péssimo só de lembrar. No entanto, meu desinteresse excluia uma cadeira.

As primeiras provas consegui um relativo sucesso graças aos truques que todo estudante vagabundo e desinteressado cria num ato de desespero. Funcionou muito bem. Menos para a matéria de Ciências Políticas. Olhei descrente a prova, composta por cinco questões dissertativas onde deveria escolher três para responder. Todas elas pediam-me opinião sobre pessoas que ouvi falar tangencialmente e, se repondesse, seria certo eu derrubar ali alguma abobrinha grossa, algo como "Bacon, além de não ser kosher, é maquiavélico para o coração". Ao invés de responder com esse nível de brilhantismo, resolvi preservar meu orgulho escrevendo nada além do meu nome completo, o dia e o nome da professora. Um zero, mas um zero digno.

A professora, que era uma das poucas que parecia realmente levar a sério suas aulas e que me passou uma imagem de ser tão flexível quanto um bloco de quinze toneladas de chumbo, chamou-me depois da aula que entregou as notas (onde recebi o meu zero) e perguntou o motivo de eu não escrever absolutamente nada, nem abobrinhas, em minha prova. Calhorda que era - e, confesso, bastante surpreso com a atitude solícita da professora - fiz um drama completo e respondi que sua matéria me confundia e que a dificuldade com meu curso se resumia a essa cadeira. Mentira deslavada e ambos sabíamos disso. Ainda assim, com uma atenção quase materna que distoava totalmente da forma que dava aulas, ofereceu-me uma chance. Eu teria dois dias para ler um trecho de "O Principe" de Maquiavel e discursar, em frente a turma e num tempo de cinco minutos, sobre a crueldade na visão maquiavélica.

Para um turista acadêmico e leitor exclusivo de quadrinhos e frases de porta de banheiro, foi um desafio. Li numa dificuldade absurda e, não sei, numa dada hora a coisa começou a fazer sentido e até tomei um certo gosto pelo que estava lendo. Apresentei e meu zero tornou-se 8,5.

Ana Maria Schiavinato despertou minha curiosidade e voltei a assistir suas aulas. As notas melhoraram mas não se comparavam ao resultado mais prático de suas lições, um pouco de consciência cidadã. Ao longo do semestre, escutei uma série fatos sobre política, coisa que abominava, e como ela deveria nos servir, quais os nossos deveres e quão intrínseca
estava em meu cotidiano. Apontando os erros da prática e colocando-nos para raciocinar antes de qualquer resposta a questões que levantava, as aulas tornaram-se para mim, gradualmente, encontros que iam além do aprendizado simplesmente acadêmico . Na verdade, Ana Maria ensinou-me, inclusive, a corretamente identificar o que odiava (e odeio) . Foi dessa mulher que escutei, há dez anos, a frase que repito aos que dizem que odeiam politica; "Suspeito que você não odeia política, suponho que você odeia política partidária". Carrego comigo até hoje a base que essa impressionate cientista política me deu.

Devo me desculpar aos dois leitores desse blog por ter me prolongado novamente. No entanto, compreendam que é muito difícil ser grato de modo sucinto, especialmente a alguém que semeou algo que criou raízes tão fortes. Culpem a gratidão. Se
a autora desse post fosse a tristeza que me bate, por saber hoje que Ana Maria Schiavinato faleceu há um mês, eu não conseguiria escrever nada além do meu nome completo, o dia e o nome da professora. Seria um zero horroroso.

Obrigado, Ana Maria.


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