Friday, September 17, 2010


Recordar é viver.

Desvendando o Código da Vida III - Insônia, do latim, "phalta dae sonnus".
Por Fernanda Patelli


Logo de cara, na primeira página: "Para Saulo, que honrará nossa Brodowski, lembrança afetuosa do Portinari". Meu deus-da-comida-chinesa-do-céu! O cara escreve um livro e, logo de cara, dá um jeito de homenagear a si mesmo! E o pior: tenta arrebanhar a simpatia do leitor se vinculando a um artista conhecido e reconhecido por seu talento. Portinari, agradeceria muitíssimo se enviasse seus flagelados para baterem a carteira de Saulo durante a noite e me devolverem meus R$40,41.

Engulo em seco e viro a página. Noto que a tendência é piorar: Jô Soares é co-autor do coiso. Agora sim, confirmo: recuso-me a chamar essa coisa de livro.



Primeiro capítulo.



"O sigilo profissional impõe aos advogados o dever do silêncio eterno (...) Resolvi contornar essa regra ética, sem quebrá-la. Neste livro, narro um desses casos, trocando os nomes das pessoas." Não é genial? Não sei se isso se encaixa no quesito "maestria com que utiliza os recursos literários" ou se no quesito "desobedecendo todas as obviedades da estrutura tradicional das biografias", mas, sem dúvidas mostra que Saulo não está empenhado em contornar qualquer mediocridade literária.



"Advogados trabalhando como detetives. Batalhas de inteligência, raciocínio, jogos de deduções. Enigmas que atormentam os profissionais do Direito, mas eles sabem como resolvê-los." Até eu sei como resolver: foi o Coronel Mostarda, na sala de estar, com o candelabro!


"Espero que tais fatos esclareçam algumas interrogações daqueles que os viram acontecer e sejam úteis para as novas gerações, que ainda dependem dos historiadores, nem sempre muito fiéis, segundo tenho visto em isoladas manifestações de jornais." "Advogados! Esses sim são fiéis." Eis um slogam para a próxima campanha eleitoral. Já imagino a OAB distribuindo santinhos nas portas das igrejas e cadeias. Já historiadores não merecem a mínima confiaça. Apedrejemos os infiéis sem medo, parece que nosso futuro ex-presidente fará apelos emocionais de toda sorte em troca de popularidade infinita. Caro professor Bosi, cuide-se. instale agora mesmo seu bunker anti-pedras.


"Agora elucido: não pedi a nenhum dos meus amigos para redigir prefácio a este livro. Por quê?" Duvidas, dúvidas, muitas dúvidas corróem a alma que não tenho... Advogados têm amigos? Mais um slogan para adesivo: "advogados são amigos, não comida".



"Minha secretária, nervosa, dissera pelo telefone que havia chegado um homem desejando consultar-me. Agitado, inquieto, visivelmente perturbado, de boa aparência, bem trajado, espalhou pânico no escritório. Ameaçou suicidar-se, caso eu não o atendesse. Não deu outra explicação. Sentou-se na sala de espera e lá permaneceu, aguardando que eu chegasse para atendê-lo. (...) Não aceitou café nem quis ler jornal. Minha secretária estava apavorada." Eu também me apavoraria se estivesse diante de um suicida que não quer um café. Na próxima vez em que quiser tentar o suicídio, vou anotar aqui que devo pedir um cappuccino para a secretária e lhe cobrar o jornal do dia.



"Na estrada, o guarda rodoviário fez sinal para eu parar.(...) Estendi-lhe os documentos do carro. — Não precisa — disse ele, olhando para o banco de trás, como se estivesse procurando alguém escondido. — Não precisa? O senhor me pára e não vai verificar meus documentos?" Curioso. Todo mundo que eu conheço agradeceria a "gentileza" de ter sido parado, elogiaria a eficiência do trabalho policial e seguiria em frente, mantendo no máximo metade da velocidade permitida. Aliás, eu não queria dizer nada, mas essa ânsia por mostrar os "documentos" a um policial não me parece muito comum entre homens heterossexuais.


E segue-se um longo diálogo com o tal guarda... Saulo tem uma Mercedes, é um advogado ocupado e nega ter celular. O policial diz tê-lo visto ao celular enquanto dirigia. É das poucas vezes que acho que um policial tem razão.


"Arranquei, sentindo-me um pouco esperto demais e feliz com o meu celular, que não tocou durante a conversa com o guarda. Aparelho moderno. É instalado em um compartimento inacessível do carro, mas controlado por botões no volante." Algum advogado, por favor, me responda: quanto tempo um crime desses leva para prescrever? Saulo seria um dos evitáveis pelo "ficha-limpa", caso fosse candidato?


"O meu telefone móvel, de alta tecnologia, ainda tinha esta vantagem: era invisível." Meu amigo de infância também era invisível e, nem por isso, vejo motivo para me gabar dessa palhaçada.



Em resumo: no primeiro capítulo aprendemos que: há um suicida num escritório de advocacia que, por algum motivo sobrenatural, se recusa a ler o jornal. Há um advogado malandro (nada de sobrenatural aqui) na estrada com um telefone invísivel. Partindo do telefone invisível, Saulo arranja um gancho para escrever sobre a internet e sobre um japonês que deseja barrar o avanço da China. Diz que a China tem um PIB espantoso. A China tem áreas muito miseráveis. A China é um país de ideologia comunista com economia capitalista. A China produz celulares. Saulo Ramos tem um telefone celular e está burlando a lei! Tudo perfeitamente ligado, tal como a minha lista de compras.



Agora, que surpresa! Em vez de continuar contando a história do suicida, no segundo capítulo, saberemos tudo sobre a chegada do primeiro telefone em Cravinhos! O número da casa de Saulo era 45. Corto minhas unhas do pé se ele não for candidato pelo PSDB nas próximas eleições! Também ficamos sabendo que, em Cravinhos, havia uma barbearia cujo barbeiro, Salomão, escalpelava seus clientes enquanto recitava poemas. “Navio Negreiro”, de Castro Alves é a recordação de Saulo. Já, seu agradecimento, deveria ser reconhecer que Salomão não leu Plínio Marcos e nada recitou em voz alta de “Navalha na carne”.
Desvandando o Código da Vida
Parte II - A Missão.


Por Fernanda Patelli

Eis a sinopse do coiso, fornecida pela editora: “Em Código da Vida, a pretexto de contar, com todos os detalhes, um caso curiosíssimo que viveu como advogado, Saulo Ramos entremeia essa história de suspense absolutamente verídica com sua história de vida, desde a infância nas cidades paulistas de Brodowski e Cravinhos, até os dias de hoje.

Desobedecendo todas as obviedades da estrutura tradicional das biografias, Saulo Ramos constrói uma obra de qualidade espantosa, seja pela riqueza vocabular de sua linguagem, seja pela maestria com que utiliza os recursos literários de uma narrativa. Mas, como se isso não
bastasse, a vida de Saulo Ramos tem ingredientes dignos das mais importantes biografias já publicadas no Brasil. Como o menino do interior chegou a Consultor Geral da República?”

Supondo que eu pudesse pagar R$200.000,00 por um parecer de Saulo (valor médio cobrado, em 2007), considerado um dos maiores juristas do país (o que quer que isso signifique num país de pseudo-alfabetizados, em que candidatos e eleitos ao Legislativo se gabam do próprio analfabetismo), “Código da Vida” não seria considerado plágio descarado de “Código Da Vinci”? Mas, ignorando essa bobagem que são os direitos autorais e voltando à sinopse do coiso, analisemos (imperativo afirmativo aqui, que maravilha!) um pouco o texto. O que significa
“desobedecendo todas as obviedades da estrutura tradicional”? Para mim, parece que ele não escreve de forma estruturada e compreensível - não só para os leigos em direito - e ainda justifica isso como inovação na língua portuguesa. Mais um para o time do Saramago! E “riqueza
vocabular”? Parece que o autor da sinopse é mais um jornalista supostamente alfabetizado de Veja e considera jargão profissional algo que enriquece a língua. Neste momento, imagino em minha mente inquieta e alienada, Nietzsche pega seu martelo e se prepara para emergir das
profundezas do Inferno com um sorriso de escárnio na face.

“Maestria com que utiliza os recursos literários de uma narrativa”...? Oras! No texto há simplesmente um amontoado de digressões que não retornam ao ponto inicial e, quando o fazem, não arrematam qualquer raciocínio. É quase minha lista de compras no supermercado: hortelã,
sabão em pó, adoçante, pilhas, ração para cachorro, pão, papel sulfite, limão. Como hortelã e limão são vegetais, mas estão separados na lista de modo que só vejo o último item a caminho do caixa, tenho de retornar à seção inicial para terminar as compras. Assim, devido a minha absoluta capacidade de planejamento, uni a idéias soltas e não complementares.
Como coloquei parte do que deveria ser o início no fim da lista, podosso chamar minha ida ao supremercado de hipérbato e dizer que uso recursos literários com maestria no meu cotidiano!

Começo a pensar que devo enviar minha lista de compras à editora de "O código da vida" para
ter meu texto analisado pelos editores, ainda mais que a escrevo aos estilo de Saramago: sem qualquer pontuação ou preocupação com a norma. Mal posso esperar para tomar chá de lírio com Paulo Coelho na ABL!

Agora, de fato, também tenho uma dúvida: “como o menino do interior chegou a Consultor Geral da República?” e ainda acrescento: como um menino pobre do interior do Brasil chegou a Consultor Geral da República? Desobedecendo (e, quicá, ajudando a quem desobedece) todas as obviedades da estrutura tradicional?

"Prometi há tempos não fazer deste blog um diário e limitei onde pude a escrita. Por conta do sistema de educação nacional estar em ruínas há décadas, o Brasil tende a ser um país ágrafo até o fim dos seus tempos e o autor deste blog, ardilosamente, partiu para as artes gráficas para expressar-se. A arte gráfica é o filão maior, melhor entretenimento para semi-analfabetos não há. No entanto, existem pessoas, como os três leitores deste blog, que nadam contra esta maré e insistem em dedicar parte do tempo que não têm à leitura. Um dos útlimos bastiões deste fantástico movimento é minha amiga de plástico Fernanda Patelli. A Srta. Patelli, não satisfeita em deleitar-se com a língua pátria, ocupa-se também em desmascarar aqueles que se aproveitam da situação literária nacional para elevarem-se a medalhões. Graças ao Deus-da-Comida-Chinesa, Fernanda Patelli está aí para avisar os incautos que, se é para ler orelha de livro, ao menos que se leiam as que prestam.


Faz pouco tempo que iniciamos uma história de amor com Saulo Ramos. Não me atrevi a ler a obra (aquela história de semi-analfabetismo e tals). Mas Fernanda Patelli, com o espírito (de porco) inquieto, resolveu dissecar esta obra "prima" e esmiuçar, para todos nós, como se constrói uma falsidade literária em poucos movimentos. A mim, coube somente transferir parte de seus estudos para este blog. E o melhor, sem sua autorização prévia. Uma maravilha.



Por ter de ler as memórias de um jurista pretérito, um literário raso e amigo de venenosos caciques da nação, o povo brasileiro deve à Srta. Patelli.

Figueiredo."


Desvendando o Código da Vida
Parte I
Por Fernanda Patelli


Há alguns anos, mais uma vez conversando com meu bom amigo Figueiredo - arquiteto descalço e decorador almofada, atual candidato a pseudo-ovelha -, fui apresentada ao então novo livro do ex-ministro da justiça, advogado da família Sarney (se o currículo fosse meu, certamente omitir...ia isso e não pegaria o certificado) e ex-secretário de segurança pública de São Paulo, Saulo Ramos.

Assim, gastei R$40,41 e comprei o tal "Código da vida". Era um dinheiro que não tinha, gasto num livro que não me interessava, desperdiçando um tempo que não tinha - ou tenho - sobrando. Ótimo. Vale o empenho simplesmente para zombar de alguém com fundamento em suas próprias afirmações.

Ontem, subitamente, numa das revelações simbólicas que substâncias psicoativas e carboidratos em excesso costumam provocar, resolvi terminar de ler o livro, doravante tratado como "coiso". Como não sou capaz de me conter, não basta ler o que é ruim, preciso dividir. É como dizia um famoso pensador: "conhecimento é a única coisa que, quando divida, se multiplica". Para o bem e para o mal, acrescentaria.

Monday, September 13, 2010

Wednesday, September 08, 2010


Beto
Com um delay típico do autismo que me é inerente, soube de uma esplêndida notícia; Beto voltou a postar em blog (o gajo avisou-me a alguns meses, li somente hoje a notícia). Um sopro de esperança para aqueles que, como eu, acreditava que a qualidade da arte seqüencial brasileira corria um grande perigo.
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