Friday, September 17, 2010

Desvandando o Código da Vida
Parte II - A Missão.


Por Fernanda Patelli

Eis a sinopse do coiso, fornecida pela editora: “Em Código da Vida, a pretexto de contar, com todos os detalhes, um caso curiosíssimo que viveu como advogado, Saulo Ramos entremeia essa história de suspense absolutamente verídica com sua história de vida, desde a infância nas cidades paulistas de Brodowski e Cravinhos, até os dias de hoje.

Desobedecendo todas as obviedades da estrutura tradicional das biografias, Saulo Ramos constrói uma obra de qualidade espantosa, seja pela riqueza vocabular de sua linguagem, seja pela maestria com que utiliza os recursos literários de uma narrativa. Mas, como se isso não
bastasse, a vida de Saulo Ramos tem ingredientes dignos das mais importantes biografias já publicadas no Brasil. Como o menino do interior chegou a Consultor Geral da República?”

Supondo que eu pudesse pagar R$200.000,00 por um parecer de Saulo (valor médio cobrado, em 2007), considerado um dos maiores juristas do país (o que quer que isso signifique num país de pseudo-alfabetizados, em que candidatos e eleitos ao Legislativo se gabam do próprio analfabetismo), “Código da Vida” não seria considerado plágio descarado de “Código Da Vinci”? Mas, ignorando essa bobagem que são os direitos autorais e voltando à sinopse do coiso, analisemos (imperativo afirmativo aqui, que maravilha!) um pouco o texto. O que significa
“desobedecendo todas as obviedades da estrutura tradicional”? Para mim, parece que ele não escreve de forma estruturada e compreensível - não só para os leigos em direito - e ainda justifica isso como inovação na língua portuguesa. Mais um para o time do Saramago! E “riqueza
vocabular”? Parece que o autor da sinopse é mais um jornalista supostamente alfabetizado de Veja e considera jargão profissional algo que enriquece a língua. Neste momento, imagino em minha mente inquieta e alienada, Nietzsche pega seu martelo e se prepara para emergir das
profundezas do Inferno com um sorriso de escárnio na face.

“Maestria com que utiliza os recursos literários de uma narrativa”...? Oras! No texto há simplesmente um amontoado de digressões que não retornam ao ponto inicial e, quando o fazem, não arrematam qualquer raciocínio. É quase minha lista de compras no supermercado: hortelã,
sabão em pó, adoçante, pilhas, ração para cachorro, pão, papel sulfite, limão. Como hortelã e limão são vegetais, mas estão separados na lista de modo que só vejo o último item a caminho do caixa, tenho de retornar à seção inicial para terminar as compras. Assim, devido a minha absoluta capacidade de planejamento, uni a idéias soltas e não complementares.
Como coloquei parte do que deveria ser o início no fim da lista, podosso chamar minha ida ao supremercado de hipérbato e dizer que uso recursos literários com maestria no meu cotidiano!

Começo a pensar que devo enviar minha lista de compras à editora de "O código da vida" para
ter meu texto analisado pelos editores, ainda mais que a escrevo aos estilo de Saramago: sem qualquer pontuação ou preocupação com a norma. Mal posso esperar para tomar chá de lírio com Paulo Coelho na ABL!

Agora, de fato, também tenho uma dúvida: “como o menino do interior chegou a Consultor Geral da República?” e ainda acrescento: como um menino pobre do interior do Brasil chegou a Consultor Geral da República? Desobedecendo (e, quicá, ajudando a quem desobedece) todas as obviedades da estrutura tradicional?

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